domingo, 28 de março de 2010
Urgência
terça-feira, 23 de março de 2010
Dá licença, maternidade
Neste caso, tendo entrado recentemente no mundo da maternidade, o pensamento que não sai da minha cabeça é a frase do caboclinho doido do Primeiro Dia - filme de Walter Salles e Daniela Thomas, ambientado na virada do milênio: “o 9 vai virar 0, o 9 vai virar 0, o 9 vai virar 0, o 1 vai virar 2. Vai tudo mudar”.
De fato. Tudo mudou.
Na minha opinião, não há nenhum tipo de preparação que dê conta de encarar a pedreira que é ter um filho. A pessoa tenta construir uma infra-estrutura que facilite a vida, garantir que o momento pessoal e do relacionamento é oportuno, buscar um tanto de equilíbrio emocional, e até, fazer a cabeça para a perspectiva de mudanças. Mas nada adianta muito: jogo é jogo, treino é treino.
Nos primeiros dias, o bebê é hipnotizante. Você quer ficar olhando, reparando em tudo e até pensa em cutucá-lo para poder brincar um pouquinho: “Oba, hora de trocar a fralda” – pensa a maluca.
A relação que se estabelece instantaneamente entre mãe e filho é o mais próximo que nós, homens, cegos por nossa racionalidade pretenciosa, podemos chegar da condição de bicho. Eu sou uma fêmea da minha espécie, mamífera, fecundação interna, gestação intra-uterina, alimentação via glândulas mamárias. Como qualquer animal, meu filhote, ainda alheio a nossos códigos sociais, me reconhece pelo cheiro e por instinto se joga contra o meu peito, aonde fica aninhada, curtindo seu momento parmalat. A natureza é uma coisa linda. Nunca estive tão bicho grilo. Terra planeta água.
Mas, convenhamos: você mal conhece essa criaturinha. Ela acabou de chegar e passa o dia todo berrando no seu ouvido. E você lá, a serviço dela, 24 horas por dia, queira você ou não. E não ganha nem um sorrisinho em retorno. Às vezes dá vontade de esganar, fazer o que? Não é porque eu virei mãe que eu vou virar um ser humano elevado. Aliás, essa abnegação maternal é de uma hipocrisia que não combina com meu corte de cabelo.
Acho que chorei quase todos os dias durante o primeiro mês. De medo, de dúvida, de emoção, de cansaço, de frustração e, às vezes, até de raiva porque ter que acordar de madrugada para alimentar meu tamagoshi não é legal. Experimenta colocar seu despertador para tocar a cada três horas. Vê se você não taca ele na parede no terceiro dia...
A verdade é que amor não é algo instantâneo. É um processo que vem acontecendo desde o teste da farmácia. Eu desconfio sempre dessa gente que sente amor incondicional pelo borrão do ultrasom. Pode ser que aconteça mas eu tendo a achar que é mais uma construção do que um sentimento genuíno. É meio coisa de novela, de propaganda de margarina, a mãe com o olhar lânguido em direção ao filho, aquela imagem da grávida plácida acariciando a barriga. É bastante injusto que se imponha esse modelo à mulher. Amor não é assim com as goiabas...e ter um filho é um acontecimento profundamente perturbador: mexe com a rotina, as expectativas, os valores, as crenças e, em última instância, o próprio conceito de identidade.
Eu sei o momento exato que percebi que amava minha filha. Levou 15 dias. Nós estávamos no carro, saindo do pediatra e ela desandou a chorar. Instintivamente, eu a abracei muito forte e fiquei repetindo: eu te amo, eu te amo, eu te amo. Ela dormiu e eu percebi que tínhamos nos acertado. Mas foi difícil. Bem difícil. Muito mais difícil que eu poderia imaginar.