Eu não falo sobre o amor. Não gosto dele. Incomoda esse palco montado para duas pessoas. Prefiro a cama, sempre preferi. Acho que desde cedo via o travesseiro como lugar de deitar cabeça ou como objeto de calço de quadril para a foda vir com mais encaixe; nunca como o forro para as alianças atravessarem o altar. Acho feio, fedorento, sem sal, morno, castanho, esse tal amor.
Hoje ouvi o padre dizer que o perdão é fundamental; e que um casal deve sempre se perdoar entre si; fazer do perdão um exercício constante. E isso, depois de narrar toda aquela beleza do que deve ser o casamento: fidelidade, companheirismo, cumplicidade. Eternidade. Mas com perdão constante. Perdoe com regularidade, vacile com moderação. Não entendo, é conflitante. Como assim, Bial?
Acredito, no entanto, que ele exista, o amor. Já esbarrei com ele algumas vezes: fugi, me entreguei, repeli, afastei, mas o vi. Tateei, experimentei. Também fui cúmplice de alguns, espectadora de outros, torci por muitos, temi outros tantos - alheios e meus. Acho que ele nos rodeia, ele is in the air, como diz a música repetitiva.
Desconfio, em negrito, de algumas embalagens que, muitas vezes trazem, em seus tafetás, rendas e drapeados, pessoas compromissadas, geladas, duras, fiéis, adoradoras, sorridentes. Desconfio que mesmo com tanta devoção, não sejam amantes, companheiras, carinhosas, divertidas e legais. Entre si.
Transito entre amantes, convivo com maridos, mulheres, namorados, apaixonados embrulhados em papéis tão mais leves, tão menos brilhosos (mas não menos brilhantes: que fique claro), menos caros e tão mais amores, mais juntos, mais sorriso aberto. E a sensação de ver essas mãos dadas e cabeças encostando uma na outra me leva a um suspiro silencioso, interno: ufa.
O amor existe, está no ar, é celebrado, fica contente, se balança, se encontra. O amor goza, grita, geme, dorme e ronca, beija e abraça, dá tempo e sente saudade. O amor é vivo e como a gente é vivo e fica doente, o amor passa por poucas e boas: leva tombos, anda para trás, expira interrogações, dá medo. E ainda assim, pulsa. O coração tá lá batendo, a informação continua sendo enviada ao cérebro. A vida continua e ele espia tudo, sabe onde entrar, quando entrar, o que fazer, como andar e que roupa vestir.
O amor muge, dá leite, deita e dorme. Alimenta, traz pesadelo, faz adoecer, oferece cafuné e fica mudo.
Eu, normalmente, não falo sobre o amor.
Fios e atavios no Armazém4
Há 8 anos
4 comentários:
Felícia, apesar do seu nome, vc escreve lindamente sobre o amor. Vc é o amor ambulante!!!
Eiu tb escutei tudo isso hj...
Vc é o amor ambulante!
Beijo
Ai, Fel, você não fala normalmente, mas falou lindamente.
Love is in the air!!!
Parabéns pelo belo texto. Bonito e muito profundo. Rebecca
Ai, ai...o Amor,o Amor...
Eu quero a sorte de um amor tranquilo...
Lindo!
Bjs,bjs
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